Pela primeira vez desde que eu criei esse meu refúgio por aqui, no qual escrever é ora arma de proteção, ora cobertor que aquece, me encontro em uma situação sem escapatória, subordinando o meu bem precioso ao ramo da crítica. Hoje de manhã, enquanto eu comecei a escrever um outro texto, recebi a notificação de que a minha orientadora do TCC estava pedindo acesso ao documento, para ler pela primeira vez o meu primeiro rascunho das primeiras páginas… e todos os medos vinculados ao “novo” chegaram como uma avalanche de autocríticas e inseguranças. E, naquele instante, minha futura monografia, que é irrefutavelmente importante e hilariamente menos pessoal que essa newsletter, virou o meu diário privado. E alguém estava invadindo a minha casa!
Sempre fui das que apresenta todas as minhas falhas de antemão, com detalhes e caricaturas, sob o pretexto de mostrar como eu conheço o meu eu mais interior. Esse comportamento é minha armadura e escudo, meus três metros de distância da real armadilha, que é ouvir do outro o que a minha mente já me antecipou, refinou, esculpiu – eu sou passível de erros. Se na vida real eu já traduzo qualquer comentário para um soco no estômago, no que eu gosto de classificar como minha própria literatura fictícia, na qual eu tenho abertura para editar e aperfeiçoar o texto, moldando as palavras ao meu favor, o golpe ganha três vezes mais força. A crítica deixa de ser sobre o que eu quis dizer com tal argumento, e vira uma mira à minha integridade. É um adesivo que destaca como, na verdade, eu nunca soube me expressar com coesão, eu só tive muita sorte de costurar o grupo certo de palavras junto. Uma ou duas pessoas no caminho concordaram com uma aceno de cabeça, e eu levei a validação até os meus lábios, o toque sendo mais transformador que o beijo do amor verdadeiro, e aquele sentimento virou a última gota de água na minha peregrinação por um deserto.
Eu sei, é claro, que a dramaticidade que eu exibi acima não é nada além disso – uma tentativa baixa de te convencer do quão difícil viver dentro da minha cabeça realmente é, querido leitor. O bobo da corte fazendo acrobacias e caretas, se alimentando dos aplausos da plateia – a presa se alimentando do predador. Talvez essa seja mais uma das minhas tentativas de provar para o mundo e para mim mesma que eu sei, sim, escrever. Como se o processo não fosse uma maratona, como se até os melhores dos melhores não tenham dado um passo em falso vez ou outra, como se existisse algum nível ou espaço-tempo em que você vira imune às opiniões alheias. Agora que me acostumei com o gostinho de seguir minhas próprias guerras, e enfeitar meus verbos e adjetivos do meu próprio jeito, não quero outra vida. E talvez esse respiro de liberdade explique a dificuldade que eu tenho sentido em me distanciar da escrita e separar ela de quem eu sou, principalmente quando ela é científica. Abrir mão desse controle é uma maldição. Aceitar que quem me orienta sabe bem mais do que eu e quer me ajudar a tocar o barco vira um argumento de pernas curtas, que tenta correr no campo e se estabaca nos primeiros segundos.
Suspeito que minha grande questão seja aprender a me tirar do centro de tudo. Se o trabalho é o objetivo, e não o que o trabalho diz sobre mim, as coisas ficam menos intensas. Se eu coloco em perspectiva o contexto por trás da essência desse projeto, analisando todas as coisas que precisam se alinhar para que ele dê certo e passe exatamente o que eu quero que ele passe, talvez essa ruptura entre meu coração e minhas palavras seja mais orgânica. Eu tenho tentado me relembrar, também, de que o começo ideal é sempre capenga, e assim ir apagando aos poucos o fogo do “querer fazer tudo perfeitamente bem” que se acende toda vez que eu sento na frente do meu computador e tento rascunhar as relações minuciosas entre o jornalismo e o cinema – pelo menos eu soube escolher um tema que realmente desperta o meu interesse. E vou repetir minhas palavras como preces, torcendo para o dia em que esse monstro de sete cabeças vire um pouco mais domável chegue logo!
Por enquanto, continuo contando nos dedos as vezes em que uma crítica construtiva não soou como a mais cruel das ofensas. Relembrando os momentos em que eu clamei pros céus para que a vontade de me manter na minha bolha fizesse com que a pessoa na minha frente, com tanto poder de abalar o meu ego, tivesse tanta pena que ela resolvesse mentir e me privar de alguma verdade dolorida. E visualizando o dia em que eu vou ser tão segura de mim e das minhas convicções que a crítica vai ser esperada, mas recebida sem qualquer malícia, como um amigo que avisa antes de ir te visitar, e vai me botar para cima com carinhos e risadas, ao invés de me derrubar.
Preciso aprender a escutar elas também…admito que não é fácil! Mas vamos conseguir , juntas! Mais um texto incrível 🩷
Ai esse texto me abraçou 😭
Receber críticas sempre foi algo que me deixava encolhidinha por dentro como se cada palavra viesse com espinhos mesmo quando era dita com carinho..Mas você escreveu tudo com tanta leveza, com tanta gentileza que parece que a ideia de ouvir e crescer ficou mais macia e fofa! 😭🫶