eu quero jogar meu aparelho celular na água
ano novo, vida e década e maneirismos antigos
Se eu prometer enviar minhas reflexões por longas e lindas cartas, escritas sob a luz de velas e com uma pena mergulhada no tinteiro, vocês permitiriam que eu sumisse do mapa digital para todo o sempre? Não é simplesmente sobre me tornar incomunicável, porque eu não sobreviveria sem a atenção, mas sim sobre deixar de ser refém desse mecanismo ultra viciante, que me prende em um universo do qual eu nem pedi pra fazer parte – minha mãe diria o contrário, e conseguiria acabar com o meu argumento compartilhando os meus apelos para que ela deixasse eu criar uma conta no Facebook o quanto antes. Curiosamente, a minha versão de 23 anos considera essa sede pelo virtual da minha adolescência um sentimento estrangeiro, e talvez esse seja simplesmente o ciclo das coisas e tudo que não é novo e misterioso deve ser descartado. Ou voltamos para estaca zero, e até esse argumento foi influenciado pelo meu contato constante com a internet?
E o mais engraçado é que se qualquer estranho me parar na rua e me perguntar o que mais me faz mal atualmente na minha rotina, eu diria que é usar as redes sociais. Eu tentaria dizer de uma maneira rápida e seca, sabendo que o meu fiel escudeiro está na minha mochila, no bolso da minha calça, na minha cabeça. Se esse mesmo estranho me encontrasse magicamente duas quadras depois, eu me sentiria mal por ter omitido parte da minha verdade e responderia a pergunta de uma maneira mais completa, provavelmente perdendo a atenção dele em três minutos. A primeira coisa que eu faço quando acordo e a última coisa que eu faço antes de ir dormir. Minha fonte de inspiração para o que está dentro e fora, que me guia até o perto e o longe. O motivo principal das minhas risadas e das minhas angústias. Uma contradição ambulante, que captura perfeitamente o que é ser uma jovem adulta no século XXI. Perdendo o fôlego enquanto eu tento me explicar, me embolando nas minhas próprias palavras – porque sem o corretor automático fica mais difícil –, perdendo o timing de cada tirada porque num piscar de olhos o mundo já pulou para a próxima ideia. A próxima pessoa. A próxima narrativa.
A mente vazia agora é a oficina do engenheiro de software responsável por lapidar e aperfeiçoar o meu algoritmo, de maneira que todo o resto desapareça entre um scroll e outro no TikTok. As discussões intoxicantes no Twitter, os reels de dicas para a vida adulta e receitas deliciosas e práticas, a bendita invenção das figurinhas, a opção de expressar uma opinião usando o GIF perfeito para complementar seu argumento, os dumps de fotos com a música ideal para acompanhar… Até quando eu quero criticar alguma coisa sobre o mundo digital eu involuntariamente destaco as partes boas dessa armadilha. E a considero uma armadilha porque eu sinto uma impotência esmagadora quando reflito sobre o assunto.
“I'm still a believer but I don't know why
I've never been a natural
All I do is try, try, try
I'm still on that trapeze
I'm still trying everything
To keep you looking at me”1
Sinto que cheguei em um nível de desgosto tão grande com meus próprios hábitos que eu seria finalmente capaz de entender a lógica por traz da força do empuxo se meu professor usasse minha relação com as redes sociais como exemplo. Eu teria a resposta na ponta da língua e me surpreenderia com a rapidez da minha conclusão. Mas, se meus aprendizados das ciências exatas me ensinaram alguma coisa é que eu, diferente de um objeto empurrado no vácuo do espaço que não tem como escapar da inércia do seu destino, consigo sim sair desse feitiço lançado pelo gênios do mal, os que me dão inseguranças e pensamentos intrusivos de comer e beber. Talvez esse seja finalmente o ano que eu me torne a pessoa decidida e comprometida dos meus sonhos, que saia de casa em um dia útil e deixe o celular dentro do bolso da mochila por mais de duas horas seguidas – porque deixar em casa também já é demais.
Quem sabe em três meses eu surte e de fato jogue o meu celular na água, porque eu nunca fui das que soube dar tempo ao tempo (eu tento). Talvez esse seja o meu limite, ou o de qualquer um de nós. Talvez alguém tenha coragem de admitir que tudo isso se tornou insustentável. Esse alguém vai finalmente tacar a primeira pedra, quebrar o teto e deixar todos os incentivos à comparação e as bolhas semeadoras de ódio vazarem pelo buraco de vidro estilhaçado. A chuva vai limpar tudo e a gente vai se acostumar a olhar um no olho do outro por mais de dez segundos e ler um livro vai ser a primeira ideia a surgir quando o tédio resolver chegar. E já deixo avisado, querido leitor, que se isso for um sonho que beira a utopia, peço que você me deixe quieta aqui no meu universo imaginário. Ele com certeza é mais gentil e engrandecedor do que a realidade virtual inescapável, na qual eu me delicio e vejo os dias e meses e anos passar.
mirrorball - Taylor Swift
Exclui tudo, agora todo tempo está dedicado a realidade que é estar viva. E ler bons textos faz parte disso. Obrigada <3
me sinto da mesma formaaaaaaaa !!! a única coisa que me deixa longe da tela celular é a tela do computador e sinto que isso tá derretendo meu cérebro